Durante os últimos anos, o mundo testemunhou mudanças dramáticas. O nosso mundo não é mais rural, modelos econômicos passam por dificuldades, e os centros de inovação e de poder político mudaram.É este contexto que explica porque a discussão realizada pela recente competição para a nova Bolsa de Valores de Teerã vai além da mera edificação.
O Centro de Pesquisas do Desenvolvimento Físico organizou o concurso entre 29 grandes escritórios de arquitetura,posteriormente reduzidos a oito finalistas – por um processo de licitação – , no qual cada um dos concorrentes trabalhou em conjunto com um escritório local. Em um país que vive um momento econômico bastante único, o tema da competição buscou desafiar a tipologia das bolsas de valores em geral, assim como fatores culturais específicos de sua localização. Portanto, os escritórios concorrentes foram convidados a olhar como esse programa tem se desenvolvido ao longo da história, ao mesmo tempo em que buscavam entender as especificidades do projeto.
O júri foi composto por arquitetos locais Mehdi Alizadeh, Farhad Ahmadi, Bahram Shirdel, Hossein Sheikh–Zeineddin e Nader Tehrani (MIT Head of Architecture, diretor da NADAAA) como porta-voz.
Alejandro Aravena (fundador do escritório Alejandro Aravena Architects, e Diretor Executivo do ELEMENTAL) em conjunto com o escritório iraniano VAV Studio foram selecionados como os vencedores por seu projeto inteligente, atento e minucioso: das várias propostas, foi a única que considerou as funções e forças, geometria e geografia, e uma organização que distribui o programa, espalhando equilibradamente suas funções para uma melhor orientação, luz, vistas, ventilação cruzada. E assim por sua vez, produzir um projeto atemporal, um edifício que estende suas tradições enquanto reflete sobre o estado atual do país.
A abordagem de Aravena destacou-se conceitualmente diante dos outros competidores, alinhando seu pensamento com o tema do concurso. Outros destaques de sua proposta foram: a geometria, a base estrutural, a sensibilidade ao conforto, e a relação com a paisagem montanhosa, que será explicada, com o memorial do arquiteto.
Uma figura monolítica à primeira vista, o edifício alcança uma transparência particular graças aos blocos ocos utilizados em sua pele exterior, transformando-se em uma espécie de lâmpada que é transparente ao público. A decisão do júri, mesmo que unânime, é apenas uma recomendação ao cliente, então manteremos vocês informados quanto à continuação do projeto. Leia o memorial completo do arquiteto, com imagens renderizadas e croquis:
O QUE DÁ A FORMA À BOLSA DE VALORES?
Porque nossa proposta tem esse desenho e não outro?
Todo o edifício é moldado de acordo com uma série de questões e, consequentemente, respostas. Algumas das respostas são dadas pelo cliente, pelo lugar, pelo orçamento, pelas restrições legais, etc.; e outras são criadas por profissionais envolvidos na proposta. Então, se o projeto é uma equação, o resultado depende tanto de como os termos são identificados, como da maneira como se decide resolver e sintetizá-los. Vamos começar identificando os termos dessa equação a partir do mais concreto e objetivo ao mais abstrato e aberto à interpretação.
FUNÇÕES E FORÇAS
A primeira demanda que queríamos responder era ao programa, o uso e o conjunto de funções que devia ser definido no edifício. Nossa primeira decisão foi definir as áreas mais públicas do programa nos níveis mais inferiores, para que o acesso acontecesse de uma forma fluída e suave. O Hall e o Auditório foram organizados próximos ao acesso da edificação, no lado sul do lote. Nessa mesma fachada, propusemos um acesso ao Banco (Bank Representatives), às Classes de Treinamento, o Museu e a Casa de Chá, formando uma espécie de “pedestal” público para todo o edifício.
Essa operação, que pode parecer óbvia, tinha que resolver dois problemas não tão evidentes. O primeiro é que, apesar de caráter público, esses programas têm de responder a uma força quase contrária: segurança. O caminho que encontramos para garantir-se a proteção desse uso público foi organizar uma sequencia de acessos em torno de uma série de halls reservados, que abrem-se à luz zenital.
A segunda dificuldade foi organizar um espaço para grandes volumes com, consequentemente, grandes vãos, abaixo dos pavimentos de escritórios que caracterizam-se por espaços mais convencionais. Em um contexto sistêmico que deve responder tanto às cargas horizontais como à força da gravidade, tal operação pode enfraquecer a estrutura. Nossa proposta foi introduzir uma parede estrutural no perímetro do complexo, que fosse capaz de receber as cargas transferidas a elas pela grelha estrutural triangular na laje do nível mais elevado dessa base pública. A opacidade resultante da base é, então, coerente com a necessidade de segurança descrita anteriormente.
As paredes no perímetro do edifício recebem as forças verticais da gravidade; arcos são a força principal no jogo das bordas da construção. Para responder às cargas horizontais, as paredes perimetrais têm uma ligeira inclinação para que suportem acelerações sísmicas. Também introduzimos uma grelha triangular na planta; dessa forma a geometria do piso dissipa as forças sísmicas em um campo, ao invés de linhas estruturais.
Para o acesso aos escritórios diferenciamos duas fachadas: para a Bolsa de Valores e para os escritórios usamos o acesso e a praça no lado sul. Para o acesso aos escritórios independentes propomos o lado norte, que devido à inclinação do terreno, permite a continuidade visual com o nível da rua.
Os escritórios independentes estão no segundo e no terceiro pavimento; ao concentrá-los nestes dois níveis inferiores, pudemos criar e controlar sua própria circulação vertical, que vai até o quarto pavimento, permitindo um raio de ação mais eficiente entre os espaços servidos para o resto dos escritórios da Bolsa de Valores.
GEOMETRIA E GEOGRAFIA
A forma como o lugar influenciou na nossa proposta pode ser entendida a partir de dois pontos de partida. Por um lado é o lote que permite a ocupação em cada nível, e por outro lado, a realização de um ambiente de trabalho adequado ao clima de Teerã.
Dada à quantidade de metros quadrados que deveríamos trabalhar, a proporção compacta do lote e a taxa de ocupação (80% para o subsolo, 70% para o térreo e 50% para os níveis superiores), sempre que tentávamos resolver o projeto em um único volume, o resultado era invariavelmente vários planos profundos e com baixa qualidade de espaços de trabalho. Estávamos procurando, no entanto, para cada espaço, o maior grau de contato direto com a luz natural, a ventilação natural e as vistas. Além disso, devido ao limite de altura, a silhueta do edifício não era vertical, ou horizontal, mas com uma forma “robusta” que perdia a proporção vertical que considerávamos necessária para a presença da Bolsa de Valores no ambiente urbano.
Se tentássemos dividir o programa em várias torres, o problema de planos muito profundos seria resolvido, mas seria bastante ineficiente em termos de uso (multiplicação de sistemas de circulação vertical) e também resultaria na perda de um senso de unidade que pensávamos que o caráter institucional pedia.
Portanto, a nossa proposta foi explorar um padrão que se expandisse através do terreno em diferentes direções com uma planta térrea típica que maximizasse o perímetro, para que mais metros quadrados estivessem em contato com o entorno. Para atingir esse perímetro máximo, articulamos a projeção do edifício com uma geometria capaz de desdobrar-se alternadamente ao redor de pátios abertos, ou de encarar a cidade em diferentes direções. Devido ao fato desse padrão estar sempre aberto, o volume resultante é composto por elementos verticais e ainda é visto como uma unidade. É, então, simultaneamente, um volume em muitos, revelando uma riqueza na leitura urbana.
Definimos também cubículos grandes o bastante para o uso eficiente, e para que cada parte do programa tivesse acesso à ventilação e iluminação natural. A tipologia, onde interior e exterior são interligados entre si, foi a estratégia natural para aumentar o contato entre ambos. A grelha hexagonal permitiu a simplificação da circulação próxima ao pátio, que acaba por servir uma área maior, desdobrando-se em direção às faces exteriores do edifício.
Para o revestimento da edificação, propomos um bloco vazado nas fachadas exteriores e planos de vidro para as paredes ao redor dos pátios. Os blocos, sempre orientados na direção norte-sul, protegem os espaços de escritórios da luz solar direta, mesmo assim oferecem transparência, belas vistas e ventilação cruzada em todos os lados.
ATEMPORAL E RÁPIDA
Empresas e negociações são baseados na confiança; por isso, em tempos de um economia conturbada e preocupações a cerca do papel dos mercados econômicos nessa crise recente, concordamos que tínhamos que nos referenciar na antiga instituição que está incorporada a Bolsa de Valores, ao mesmo tempo em que teríamos que achar um terreno mais solido sobre o qual basear esse projeto. Louis Khan, um dos maiores arquitetos de todos os tempos, acreditava que a arquitetura é a arte das instituições. Portanto, pensamos que devíamos mergulhar fundo no tempo até entendermos a instituição arcaica em que está enraizada cada Bolsa de Valores. O que apareceu no coração dessa pesquisa é a noção antiga do mercado: um lugar onde pessoas reúnem-se para negociar, o que é uma arte e não apenas uma ocupação.
Nossa proposta foi visualizar os diferentes níveis de encontro, do informal cara-a-cara em espaços públicos, até reuniões de grupos em espaços mais privados para as atividades de negociação coletiva. É por isso que distribuímos espaços de reunião ao longo dos diferentes níveis do edifício, tanto no interior quanto no exterior, para qualificarmos esses encontros, aproveitando-se das vistas. Ao fazer isso, procurávamos fomentar uma certa atemporalidade nessa atividade humana tão antiga.
Simultaneamente, os tempos atuais necessitam e permitem operações instantâneas. Velocidade e antecipação são cruciais para o sucesso na arte de negociar. Tecnologia e informação desempenham um papel chave nessa performance. Porém, tudo isso pode ficar invisível e ser apenas um serviço fornecido pelo edifício; nós queríamos que isso fosse uma parte estrutural do projeto.
Então, pensamos em usar a própria pele do edifício como uma forma de comunicar, em tempo real, o que acontece no interior. Nossa proposta é usar os blocos como bits que permitem que toda a cidade e os cidadãos sejam incluídos na arte da negociação. Isso acontece pela simples iluminação (ou ausência dela) no espaço vazio de cada bloco, e por isso torna-se um sistema de baixa tecnologia, mas com uma operação de alto impacto.
Ao caminhar no tempo até a origem da tradição, e retornar até o momento da arte da tecnologia e da informação, esperamos ser capazes de criar um edifício que é pertinente e coerente com o contexto local e, ao mesmo tempo, uma peça relevante e significativa no mercado econômico global.
Informação Complementar:
- Engenheiro estrutural: Dynasys(DS)
- Engenheiro mecânico: Pars Mohit
- Cliente: Tehran Stock Exchange